sábado, fevereiro 27, 2010

O Congresso Nacional deve aprovar projeto que reduz a jornada de trabalho semanal?

Recentes estatísticas que apontam a ascensão à classe média de 30 milhões de brasileiros referendam o peso de nosso mercado interno na vitória contra a crise. Mas propõem uma pergunta: como essas pessoas conseguiram subir de patamar de renda? Dentre todos os fatores conjunturais e macroeconômicos, há uma causa inequívoca: o trabalho.Bastaria esse exemplo para desqualificar a proposta de emenda constitucional 231/1995, que prevê a redução da jornada semanal de trabalho de 44 para 40 horas e o aumento da hora extra de 50% para 75%.Tal matéria visa à criação de mais empregos, mas contraria a lógica matemática e experiências práticas semelhantes, malsucedidas, de outros países. Afinal, menos (horas trabalhadas) com mais (custos) continua dando menos resultado.A realidade, como a aritmética, é implacável: de 2003 a 2009, o Brasil reduziu a taxa de desemprego de 12,3% para 8,1% por meio do crescimento econômico, não por trabalhar menos tempo. Em contrapartida, a redução da jornada de 48 para 44 horas, estabelecida pela Constituição de 1988, não criou um emprego sequer.Ou seja, além de não criar postos de trabalho, essa PEC diminuiria a produtividade, comprometeria a competitividade, poderia reduzir exportações e provocar o aumento de inúmeros produtos, bens e serviços. Portanto, é contra a geração de empregos.O caso mais parecido com o que se pretende fazer no Brasil é o da França, que realizou um longo processo de redução de jornada em duas etapas.A primeira, iniciada em 1982, impôs diminuição repentina, sem medidas preventivas governamentais de manutenção dos empregos. Ocorreu queda de até 4% nos postos de trabalho. Os grupos de trabalhadores mais prejudicados foram os que recebiam salário mínimo. As autoridades diagnosticaram que a maior parte das empresas afetadas não tinha condições de arcar com o aumento de custos, o que as levou a reduzir quadros.A segunda etapa, em 1998, foi elaborada com base nos erros da primeira, e o governo francês adotou um pacote de incentivos (flexibilidade e redução fiscal) para as empresas mais afetadas, preservando empregos. Importante: a adesão ao programa era voluntária.No Brasil, a realidade é diferente da Europa. Aqui, a jornada média já é de 41,4 horas semanais, segundo a Organização Internacional do Trabalho. O índice está abaixo do de países que concorrem conosco: Coreia (43,4), México (43,5), Argentina (41,5), Turquia (49) e Malásia (46,9).Além disso, 99% das empresas brasileiras são de pequeno e médio porte e respondem por 56% do emprego.Para as grandes empresas, que já praticam jornadas iguais ou inferiores a 40 horas, a redução não traria efeito algum. Porém, para as pequenas e micros, a obrigatoriedade seria inviável.Ademais, a jornada de trabalho no Brasil já está alinhada à da maioria das nações, inclusive desenvolvidas, e nossa Constituição permite o moderno entendimento entre empresas e trabalhadores para estabelecer o regime mais adequado a cada atividade e/ou segmento. Não é prudente nivelar organizações diferentes, ramos distintos e peculiaridades produtivas e trabalhistas. Seria anacrônico e autoritário, além de inoportuno. Foi trabalhando que vencemos a crise.Em vez de uma legislação impositiva, é mais eficaz que empregadores e trabalhadores unam-se na meta do crescimento sustentado, do aumento da produção e das exportações e da consequente criação de empregos.O diálogo democrático estabelecerá, como já vem ocorrendo, a melhor jornada para cada empresa e setor, promovendo sinergia entre capital e trabalho. Sem dúvida, é por meio dessa atitude madura e avançada, congruente com as demandas da economia mundial, que pavimentaremos nosso caminho ao desenvolvimento.Assim, por mais que o tema seja atraente ao marketing político, é preciso estar alerta para evitar que os apelos eleitorais deste ano acabem fazendo prevalecer algo insensato para a nação.

PAULO SKAF , 54, empresário, é presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).

Fonte: Folha de São Paulo, sábado, 27 de fevereiro de 2010

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